Comprar um imóvel na planta é um investimento significativo e, por isso, exige uma série de cuidados para garantir a segurança do comprador (seja ele investidor ou não) e proteger a corretora de imóveis/imobiliária de futuras responsabilidades. A legislação brasileira, especialmente a Lei nº 4.591/64 (Lei das Incorporações Imobiliárias) e o Código de Defesa do Consumidor (CDC), junto com a mais recente Lei nº 13.786/2018 (Lei do Distrato), estabelecem as obrigações e os direitos envolvidos.
Para minimizar os riscos, é crucial que a corretora de imóveis e a imobiliária realizem uma diligência completa (Due Diligence) sobre a incorporadora/construtora e o empreendimento.
Obrigações da Incorporadora/Construtora e Documentos Essenciais a Exigir:
A principal obrigação da incorporadora antes de comercializar qualquer unidade “na planta” é o Registro da Incorporação Imobiliária no Cartório de Registro de Imóveis competente. Este registro é a certidão de nascimento do empreendimento e é obrigatório para que a venda das unidades possa ser feita de forma legal.
1. Documentos Relacionados ao Registro da Incorporação (Art. 32 da Lei nº 4.591/64):
A incorporadora deve ter arquivado no Cartório de Registro de Imóveis, antes de qualquer venda, os seguintes documentos:
- Título de Propriedade do Terreno: Matrícula atualizada do imóvel, comprovando a propriedade da incorporadora ou, se for o caso, do proprietário do terreno que a constituiu como incorporadora (permuta no local, por exemplo). Deve abranger os últimos 20 anos.
- Certidões Negativas da Incorporadora (Pessoa Jurídica) e dos Sócios (Pessoas Físicas):
- Certidões de débitos federais (Receita Federal, PGFN), estaduais e municipais.
- Certidões de débitos trabalhistas (CNDT).
- Certidões de ações cíveis, criminais e execuções fiscais (da incorporadora e dos sócios).
- Certidão Negativa de Débito (CND) do INSS.
- Certidões de Protestos (da incorporadora e dos sócios).
- Projeto de Construção Aprovado: Cópia do projeto arquitetônico devidamente aprovado pelas autoridades competentes (Prefeitura, Corpo de Bombeiros, etc.), com o respectivo alvará de construção.
- Memorial Descritivo da Obra: Documento detalhado que descreve o empreendimento, as características do edifício, materiais de acabamento, equipamentos e instalações das unidades autônomas e das áreas comuns. É fundamental que o comprador o receba e o entenda.
- Cálculo das Áreas: Demonstração das áreas das unidades autônomas (privativas, comuns e totais) e das áreas das partes comuns, discriminadas por tipo de unidade.
- Minuta da Futura Convenção de Condomínio: Documento que estabelecerá as regras de convivência, uso das áreas comuns, direitos e deveres dos condôminos após a entrega do empreendimento.
- Atestado de Idoneidade Financeira: Fornecido por um estabelecimento de crédito que opere no país há mais de cinco anos, comprovando a capacidade financeira da incorporadora para tocar o empreendimento.
- Quadro de Áreas da NBR 12.721 (Quadro III): Planilha detalhada com as áreas de cada unidade, frações ideais, número de pavimentos, vagas de garagem, etc.
2. Documentos e Informações Essenciais no Contrato de Compra e Venda (Lei nº 13.786/2018 – Lei do Distrato):
A partir da Lei do Distrato, o contrato de compra e venda de imóvel na planta deve ser iniciado por um quadro-resumo que contenha obrigatoriamente as seguintes informações:
- Preço total a ser pago pelo imóvel.
- Valor da parcela do preço a ser tratada como entrada, sua forma de pagamento e os percentuais sobre o valor total.
- Valor referente à corretagem, suas condições de pagamento e a identificação precisa de seu beneficiário (claro e apartado do valor do imóvel).
- Forma de pagamento do preço e de eventuais valores de corretagem.
- Índices de correção monetária aplicáveis ao preço e aos valores das parcelas.
- Consequências do desfazimento do contrato (rescisão/distrato), incluindo percentuais de retenção em caso de desistência do comprador, multas e juros de mora.
- Prazos para a entrega da obra, com data-limite para a conclusão e o prazo de tolerância (que não pode ser superior a 180 dias corridos).
- Informações sobre o patrimônio de afetação (se houver), que é a separação do patrimônio do empreendimento do patrimônio da incorporadora, garantindo que o dinheiro dos compradores seja usado exclusivamente na obra, protegendo-os em caso de falência da incorporadora.
Para a Segurança do Comprador Investidor e da Corretora/Imobiliária:
Para o Comprador Investidor:
- Verificar o Registro da Incorporação: Jamais assine um contrato de compra e venda de imóvel na planta se a incorporação não estiver registrada no Cartório de Registro de Imóveis. Exija a certidão de registro.
- Análise da Incorporadora/Construtora:
- Pesquise o histórico e a reputação da empresa no mercado.
- Verifique outros empreendimentos já entregues e a satisfação dos clientes.
- Consulte órgãos de defesa do consumidor (PROCON) e sites de reclamação.
- Faça uma pesquisa de processos judiciais em nome da incorporadora e de seus sócios (certidões de distribuição de ações).
- Análise Detalhada do Contrato:
- Leia todas as cláusulas com atenção, especialmente as relativas a preço, reajuste, prazos de entrega, multas por atraso, condições de rescisão e taxas.
- Busque assessoria jurídica especializada (advogado imobiliarista) para revisar o contrato antes de assinar.
- Entenda as condições de correção monetária (normalmente INCC durante a obra e IPCA/IGPM após o Habite-se).
- Memorial Descritivo: Compare o que é prometido no material de marketing com o que está no memorial descritivo. Exija que as promessas de vendas estejam refletidas no memorial.
- Visitas ao Terreno e Entorno: Conheça o local da obra e a vizinhança. Avalie o potencial de valorização e a infraestrutura local.
- Cronograma de Obra: Exija um cronograma detalhado e acompanhe o andamento da obra, se possível.
Para a Corretora de Imóveis e Imobiliária:
A responsabilidade da corretora de imóveis não se limita a intermediar a venda; ela é vista como fornecedora de serviço pela ótica do CDC e, portanto, tem o dever de informar e zelar pela segurança jurídica do cliente.
- Diligência Prévia (Due Diligence):
- Imprescindível: Antes de iniciar a comercialização de qualquer empreendimento na planta, a imobiliária e os corretores devem realizar uma “due diligence” completa sobre a incorporadora/construtora e o projeto. Isso inclui a verificação de todos os documentos listados no Art. 32 da Lei 4.591/64, bem como a saúde financeira e a reputação da empresa.
- Documentação da Incorporadora: A corretora deve ter acesso e analisar as certidões da incorporadora e dos sócios, o título de propriedade do terreno, os projetos aprovados e o registro da incorporação.
- Patrimônio de Afetação: Verificar se o empreendimento possui patrimônio de afetação. Isso reduz significativamente os riscos para o comprador e, consequentemente, para a corretora.
- Informação Clara e Precisa:
- A corretora deve fornecer ao comprador todas as informações sobre o imóvel, o contrato e a incorporadora de forma clara, precisa e completa. Ocultar informações ou prestar informações falsas pode gerar responsabilidade solidária.
- Quadro-Resumo: Certificar-se de que o contrato apresentado ao cliente contém o quadro-resumo exigido pela Lei do Distrato, com todas as informações obrigatórias.
- Memorial Descritivo: Entregar e explicar o memorial descritivo ao comprador, ressaltando o que está incluído na entrega da unidade.
- Orientação ao Cliente:
- Orientar o comprador sobre a importância de ler todo o contrato e, se possível, buscar assessoria jurídica independente.
- Informar sobre os riscos inerentes à compra na planta (atraso na entrega, distrato, etc.) e as cláusulas contratuais que os regulam.
- Aconselhar sobre a necessidade de acompanhar a evolução da obra.
- Registro no CRECI: Certificar-se de que a imobiliária e os corretores envolvidos possuem registro ativo e regular no CRECI (Conselho Regional de Corretores de Imóveis).
- Cláusulas Contratuais: A imobiliária deve se assegurar de que os contratos de venda da incorporadora são justos e estão em conformidade com o CDC e a Lei do Distrato, evitando cláusulas abusivas que possam gerar litígios futuros.
Ao seguir essas diretrizes, a imobiliária e a corretora não apenas cumprem suas obrigações legais, mas também constroem uma relação de confiança com os clientes, protegendo-se de passivos e garantindo a segurança de todos os envolvidos na transação imobiliária na planta. A transparência e a diligência são as maiores aliadas nesse processo.
Join The Discussion